Postado em: 19 de julho, 2019.
Após ter uma de suas vilas litorâneas invadidas por um exército inimigo, um rei precisava decidir pela melhor maneira de chegar lá e libertar seu povo, antes que o inverno chegasse. As estratégias foram apresentadas por dois jovens oficiais e ambas tinham caminhos bem diferentes. Era uma decisão difícil pois envolviam riscos de fracasso e perdas humanas consideráveis.
Enfrentar uma empreitada desafiadora como aquela sempre requer a experiência de oficiais que já sabem exatamente como liderar uma ação bélica. Porém, fazia tempo que o reino estava em paz, a região havia sido pacificada há anos e os generais mais antigos morreram com a idade. Os jovens comandantes nunca haviam participado de um confronto de verdade, apenas de longos e exaustivos treinamentos e embates simulados nos exercícios militares.
A vila subjugada pelos invasores ficava em uma enseada um pouco escondida. Por terra, estava cercada por uma íngreme montanha de rochas e caminhos pedregosos que impediam a passagem de cavalos e carroças. Por mar, os recifes eram perigosos e as ondas, quase sempre, muito fortes, não sendo fácil chegar de navio. Mas, os moradores estavam situados em uma área plana de lagos de água doce, que lhes permitiam viver ali com pequenos plantios e criação de animais, embora não pudessem crescer muito a ponto de sustentar um exército local.
Um oficial comandante mais jovem convencera o rei de que poderia seguir com um pequeno exército por terra, cruzar as montanhas e cercar a vila para forçar os inimigos a fugirem ou a lutarem. Sua argumentação impressionou o rei, que dissuadiu o outro oficial, cuja ideia era atacar pelo mar, a esperar um desfecho dessa primeira ação militar. Não adiantou nada a alegação desse oficial de que seu colega nunca fora um líder impetuoso e decidido. Por ouro lado, todos sabiam que seria muito arriscado fazer as duas ações simultaneamente, porque exigiria uma quantidade de recursos no limite das condições do reino. E isso deixaria a própria Corte enfraquecida.
Um ataque pouco pretensioso e uma nova decisão
O exército do oficial mais jovem marchou durante dois dias e desceu até a base da montanha, descansou e em seguida fez um primeiro ataque aos invasores da vila. O comandante não se utilizou de todo o grupo de soldados que mantinha consigo e talvez por isso, foi rechaçado pelo inimigo. As armas dos invasores mostraram-se eficientes para repelir o ataque, causando algumas baixas no exército do reino.
Em poucos dias um mensageiro chegava à Corte e relatava ao rei o ocorrido. Aquele primeiro exército estava acampada em lugar escondido depois de uma tentativa sem sucesso de expulsar os invasores. Imediatamente o outro oficial esbravejou seu desagrado, dizendo que um ataque por mar seria mais eficaz; chegariam de surpresa e entrariam na vila com toda a força de seus soldados. Afinal, os invasores estavam enfraquecidos com aquela primeira ação, e talvez desguarnecidos na entrada pela praia.
Após acaloradas discussões por parte dos conselheiros e sem muita informação sobre o exército terrestre, o rei resolveu que seria melhor aceitar a proposta do seu oficial marítimo, antes que ficasse muito difícil retirar os invasores daquele lugar. E assim, sob o comando desse outro oficial, uma frota de três navios zarparam rumo à vila, apenas uma parcela de homens do exército do reino ficaram no castelo em número necessário à proteção da Corte.
O comandante dos navios estava ansioso por demonstrar sua liderança e vencer a primeira batalha de sua vida. A frota rumou por um dia e meio sem parar até a enseada e na mesma madrugada em que chegaram, desembarcaram para um ataque maciço, com a força de todos os homens. Porém, ninguém esperava que na praia houvesse armadilhas: buracos com pontas de estacas feriram muitos dos homens e foi preciso reduzir o ímpeto da ação, para contornar esses obstáculos e chegar até a vila. Também não contavam com a força de reação do inimigo, ao descobrirem que suas flechas de pontas acesas iluminavam a posição do exército atacante, cujos homens tornavam-se alvos mais fáceis.
Não houve outro jeito senão recuar de volta para os navios. O oficial fez uma avaliação do prejuízo que sofrera e se viu em uma situação difícil. Não sabia se teria força humana suficiente para um novo ataque. Mas, também, se recusava a aceitar uma derrota, preferindo esperar uma recuperação dos homens feridos.
Não havia como o rei e sua Corte saber sequer o que estava acontecendo com seu exército marítimo e nem com o exército terrestre, pois não deram mais notícias. O clima era de aflição no castelo e no povo da região, pois temiam ficar desguarnecidos demais com as perdas de seus exércitos, correndo o risco de serem os próximos a serem atacados ou invadidos.
Aprendendo com o erro como parte da estratégia
O exército terrestre, entretanto, conseguiu perceber com ajuda de seus espiões, hábeis soldados que rastejavam até próximo à vila sem serem vistos, que ocorrera um ataque noturno por mar, também sem sucesso imediato. O comandante, percebendo que estavam prontos para o ataque decisivo, instruiu e organizou seus homens, posicionando-os adequadamente para resistir ao contra-ataque dos arqueiros dos invasores. Foi feito um primeiro ataque frontal que provocou uma reação, em seguida o oficial recuou esses homens protegidos por escudos e enviou outra carga de soldados no mesmo lugar. Porém, os homens que recuaram arrodearam pelos flancos opostos das laterais e avançaram vila adentro, surpreendendo a defesa inimiga.
No confronto direto, o exército do jovem oficial era muito bem treinado para a luta corporal e demonstrou toda a sua destreza e coragem, vencendo os invasores. O oficial que estava em mar, com seus navios, soube do ataque pelos sinais de fumaça e fogo, e seguiu para terra firme, chegando no final da batalha. Em meio há muitas baixas entre soldados e moradores do vilarejo, a pequena cidade estava salva.
A notícia chegou rapidamente na Corte. O povo da região festejou com um dia de festa e alegria. O rei estava exultante, preparando uma recepção a altura dos seus heróis. Seguiram-se dias de comemoração.
Dias depois chegou a hora de todos se reunirem na Corte, para tratar de todos os acontecidos que, com certeza ficariam para os anais da história do reino, servindo de relatos e narrativas heroicas às novas gerações. O rei reuniu seus conselheiros, os dois jovens oficiais e seus subcomandantes em um belo jantar. Terminada a ceia, puderam expor suas façanhas.
O oficial mais velho explicou que as águas revoltas do mar naquela época, a maré alta e o fato de não saber com que tipo de armadilhas ou armas estavam lidando, foi responsável pelo fracasso do seu primeiro ataque. Mas, acreditava que seu segundo ataque poderia ter sido bem-sucedido. Mesmo, assim, havia relatos de alguns soldados dando conta de que este oficial demorara muito a se decidir sobre o que fazer, não querendo admitir seus erros.
Por sua vez, o oficial mais novo que também havia feito um primeiro ataque seguido de recuo, demonstrou qual havia sido sua estratégia, o que foi confirmado pelos seus subcomandantes e soldados: era preciso fazer um ataque, mesmo que parecesse um erro, tanto para os inimigos quando para a corte. Nessa ação, com um grupo menor e mais ágil de homens foi possível verificar as armas que o inimigo estava utilizando em sua defesa, as armadilhas que havia pelo meio do caminho, seguido de um recuo providencial no momento certo, evitando mortes desnecessárias. E completou:
— Minha pouca experiência em confrontos reais de batalha necessitava de um aprendizado, por isso percebi que precisava errar quando era possível errar, para não cometer um grave erro que colocasse tudo a perder. Não somos infalíveis e perfeitos, mas conseguimos nos tornar melhores e mais eficientes com a experiência dos erros e dos acertos. É verdade que eu não era um líder impetuoso nas batalhas de treinamento do exército; mas, minha maneira comedida e modesta de ver as coisas sempre me ensinaram a observar, agir e aprender com os resultados.
Diante dos empreendimentos mais difíceis, as estratégias pessoais adquiridas mediante a experiência são bastante eficazes. Saber errar para aprender a acertar é uma máxima de alguns líderes quando o ambiente e o momento permitem isso. Um empreendedor por excelência não é aquele que não erra nunca, mas sim aquele que erra quando pode errar, para não errar quando não deve.