Postado em: 1 de setembro, 2018.
Gestores lidam todos os dias com decisões de difícil discernimento. A preocupação é muito maior quando são decisões arriscadas, que envolvem a vida das pessoas. Um jovem médico coordena pequenas equipes de um hospital pobre no interior da África e precisa decidir por um procedimento de risco.
Dr. Lorenzo e a decisão de risco
O fato de ter sido deslocado de um vilarejo afeito à miséria e à guerra, para uma cidade um pouco maior, melhorou os ânimos do Dr. Lorenzo. Ali tinha um pequeno hospital com alguns recursos mínimos, como sala de cirurgias e equipamento antigo de radioterapia, ainda em funcionamento.
Chefiava agora uma equipe de dezenas de médicos voluntários, tanto naturais daquele lugar quanto provenientes de outros países. Ali era possível atender pacientes com certo tipo de câncer emergente naquele lugar.
E, naquele momento, Dr. Lorenzo estava diante de um caso que exigia uma tomada de decisão para um paciente recém-chegado: fazer a cirurgia para retirada do tumor ou aplicar sessões de radioterapia? A escolha certa em casos graves como este aumentavam a sobrevida do paciente.
A força das evidências
Diante da decisão de risco, Dr. Lorenzo consultou diversos médicos e de imediato percebeu que as opiniões se polarizavam: uma parte deles era a favor da imediata intervenção cirúrgica; outra parte afirmava que a radioterapia era mais indicada para o caso.
Percebendo que a divisão estava por demais equilibrada, o chefe dos médicos decidiu se reunir separadamente e em horários diferentes, com cada grupo para ouvir melhor os argumentos.
Um grupo revelou que se baseada em evidências observadas por médicos anteriores: de cada 100 paciente cirurgiados, 90 deles chegavam vivo ao pós-operatório; 68 conseguiam sobrevida por mais um ano e 34 viviam por até 5 anos.
O outro grupo também estava munido de suas evidências que sustentavam seu posicionamento: 10 entre cada 100 pacientes morriam na mesa de cirurgia; 32 morriam até o fim de um ano e 66 não viviam mais que cinco anos seguintes*.
Diante daquelas referências, Dr. Lorenzo ficou momentaneamente atordoado. Porém, lembrou-se de que na Faculdade tinha dificuldades de visualizar os dados quando estes ficavam na mente. Precisava sempre de uma visualização externa para poder compreender melhor as relações entre as informações.
A surpresa dos dados
Ao colocar os dados em um quadro branco à sua frente, o médico percebeu algo surpreendente, que não ajudava na sua tomada de decisão. Tratou de reunir os dois grupos em um rápido intervalo de almoço e mostrou para os demais colegas o que havia encontrado:
Evidências sobre as cirurgias (de cada 100 casos):
Grupo 1 Grupo 2
90 resistem à cirurgia 10 não resistem
68 chegam a 1 ano 32 não chegam a um ano
34 chegam a 5 anos 66 não vivem mais que 5 anos
Os dados eram os mesmos, só que, invertidos. Não havia diferença nas informações. E imediatamente todos perceberam a situação: estavam divergindo diante da mesma avaliação de informações.
Dr. Lorenzo pediu que chegassem a uma decisão consensual. Depois de algumas rodadas de opiniões, concordaram que a cirurgia, naquele caso de estado crítico, parecia ser mais apropriada – e assim foi feito.
Como se conquista reputação
A partir daquele dia, Dr. Lorenzo percebeu que todos passaram a respeitá-lo um pouco mais, pedindo sua opinião para que conjuntamente tomassem outras decisões. Talvez porque tenham entendido que, mesmo tendo o poder de decidir a situação, o médico havia lhes mostrado a verdade por trás da questão, ajudando-os a pensar de forma mais coesa. E isso havia despertado um espírito de equipe, cuja competência estava apoiada na experiência de todos.
As pessoas são capazes de fazer o melhor, se houver uma liderança que respeite as suas opiniões e permita que o espírito de equipe se revele nas atitudes conjuntas.
*Dados de experiência feita pelo psicólogo Amos Tversky e sua equipe, relatado no livro: Minset: ferramentas para um pensamento eficaz, de Richard E. Nisbet (Objetiva, 2018).