Postado em: 15 de dezembro, 2022.
Por que é importante organizar a recriação e confecção de jogos de tabuleiro na Escola? Porque essa atividade proporciona a integração dos conteúdos de diferentes disciplinas que foram ensinados pelo professor, agora aplicados na prática. Trata-se de um projeto de produção com objetivos pedagógicos os mais oportunos para motivação ao esforço de aprendizado dos alunos com uso de materiais simples e técnicas variadas.
A pesquisa, o planejamento e a confecção de um jogo como o mini Xadrez japonês Nana Shogi, aqui utilizado, envolvem, não apenas os conteúdos tradicionais de português, matemática, história, ciências, artes. Proporciona, também, o essencial conhecimento de design para projetos, desenvolvimento do pensamento computacional e, com a prática dos jogos, o reconhecimento de virtudes e exercício de ética.
A dimensão lúdica da Educação no Ensino Fundamental precisa ser compreendida como aspecto de motivação essencial para que os alunos queiram enfrentar desafios de aprendizagem, superar suas dificuldades cognitivas e alcançar resultados intrínsecos às suas necessidades de conhecimento. E o professor, como principal facilitador desse processo pode integrar todos os conteúdos ministrados em um ambiente de ludicidade pedagógica, dentro dos currículos e parâmetros escolares, mas capaz de proporcionar descobertas e realizações pessoais para todos os participantes.
Nosso objetivo é demonstrar como os professores podem construir uma oficina, a partir da escolha do jogo Nana Shogi, mini variante do Xadrez. A proposta inclui, o planejamento do projeto, os materiais necessários, os procedimentos de elaboração e confecção dos exemplares do jogo, bem como os aspectos pedagógicos envolvidos para enfrentamento das dificuldades pessoais mediante os desafios escolares.
A dinâmica encantadora do jogo Nana Shogi
O tradicional jogo Shogi, conhecido como o Xadrez japonês foi derivado dos mesmos jogos que originaram o Xadrez na Europa e o Xadrez na China, chamado de Xiang qi. O ancestral jogo Chaturanga surgiu na Índia, no século VII e transformou-se, mais tarde, no Xatranje, na Pérsia. Espalhou-se pelo Oriente e pela Europa, denominados como Xadrez, mesmo com algumas especificidades no tabuleiro, nas peças e nas regras.
Por sua vez, em 1998, o finlandês Georg Dunkel desenvolveu a menor variante de Shogi do mundo, que resultou no tabuleiro de 3 filas por 3 colunas, com um total de 9 casas, além de manter o uso das peças equivalentes aos nossos conhecidos Rei, Torre e Bispo, porém em forma de cubos.
O que parece ser uma redução no formato do tabuleiro e quantidade de peças, o novo formato destas mantém a complexidade e a dinamicidade do jogo, uma vez que, a cada lance, os cubos da Torre e do Bispo giram e ganham outras movimentações. Essa possibilidade de mudar a ação das peças a cada virada, amplia exponencialmente as possibilidades estratégicas do jogo. Assim como, o fato de uma peça capturada poder voltar ao jogo, pertencendo agora a quem a capturou, proporciona maior versatilidade às partidas.
Adaptação dos ideogramas japoneses em signos ocidentais
Como o Shogi e mesmo o Nana Shogi apresentam formatos originais com caracteres ou ideogramas japoneses, representando signos de sua cultura, aproveitamos uma adaptação ocidental para facilitar a compreensão de suas regras e procedimentos. Essa adaptação não alterou a jogabilidade porque os movimentos das peças e suas formas de capturas continuam as mesmas do Nana Shogi original e parecidas com o nosso Xadrez. Desse modo, as imagens nos cubos são de Reis, Torres e Bispos, além de marcações para onde estes podem seguir.
As peças dos Reis têm suas imagens somente na face de cima, pois mantêm seus cubos fixos a cada lance, sem poderem girar, e podem andar uma casa para qualquer lado, como na Xadrez tradicional. As Torres movimentam-se ortogonalmente (horizontal ou vertical) e os Bispos movem-se ora pelas diagonais, ora numa ortogonal para frente ou para trás. Ambas, Torre e Bispo, sempre que se movimentam para uma casa livre ou para efetuar uma captura, dão um giro de 90º para frente, mostrando sua face seguinte, cujas marcações indicam para quais novas casas essas peças podem seguir. Nesse caso, há desenhos nas 4 faces das Torres e dos Bispos, porém, as faces laterais desses cubos ficam em branco, uma vez que o giro é sempre para frente.
A configuração das peças segue as seguintes designações: o Rei tem seu desenho na face superior do cubo e como é a única que não gira quando se desloca, pode ser identificada como Rei preto e Rei branco para efeitos didáticos. A Torre mostra em cada um dos 4 lados para os quais pode girar, diferentes posições de ação, designados por círculos, quando avança somente uma casa, e por círculos mais setas, quando podem avançar para mais de uma casa nessa direção.
No Shogi tradicional, cada uma dessas novas faces recebe um nome diferente, na sequência dos 4 giros: a Torre vira Carruagem, Asa de andorinha, Intermediário, voltando a ser Torre. O Bispo também tem suas 4 posições do cubo, quando girados sequencialmente para frente, novas denominações: o Bispo vira Telha geral, Espada de gato, Cão, retornando a ser Bispo. Porém, na adaptação, bastou manter as imagens de Rei, Torre e Bispo com as bolinhas e setas para que o jogo funcionasse do mesmo modo, uma vez que se trata de jogo abstrato.
Importância pedagógica em cada aspecto do jogo
Ao conhecerem as imagens do jogo Nana Shogi, os alunos, crianças ou adolescentes, podem ser desafiados a confeccionar exemplares para poderem jogar. Essa atividade vai exigir leituras sobre o jogo e sobre suas regras, planejamento para confecção do tabuleiro e das peças, com definição de materiais como: papel, papelão, cola tesoura, régua, lápis de cor entre outros disponíveis.
Os cubos podem ser elaborados pelo processo de Origami, as dobraduras que permitem montar objetos. As peças podem ser impressas ou desenhadas e coladas nos lados dos cubos de Origami. E o tabuleiro deve ser confeccionado em folha A4 e colada num pedaço de papelão.
Desse modo, percebemos que, fazer a leitura e interpretação sobre o jogo, bem como copiar as regras para ficarem disponíveis a cada dupla envolve um conjunto considerável dos conteúdos das aulas de Português. Conhecer o relato das origens desse jogo e suas representações fazem parte das pesquisas históricas em suas culturas de origem. Trata-se de um projeto de design que vai exigir cálculos matemáticos e conhecimentos de geometria, além das escolhas das cores que darão vida e funcionalidade ao jogo.
Após a confecção dos jogos, a experimentação da jogabilidade e a organização de torneios levam os alunos a uma outra etapa da Ludoaprendizagem multidisciplinar. Os jogos de tabuleiro constituem uma ação pedagógica que requer atenção e concentração, planejamento de ações durante as partidas, disciplina e raciocínio lógico cada vez mais apurado, bem como memorização e autocontrole.
Desse modo, podemos perceber que os alunos praticam exercícios artísticos de criatividade para confecção dos jogos, utilizando, igualmente, o raciocínio lógico tanto na etapa de confecção quanto na jogabilidade. Cabe, então, aos pais e professores ampliarem essas dimensões pedagógicas para o exercício das virtudes sobre saber ganhar e saber perder, valorizar o outro na aprendizagem comum, a importância da ética que o jogo exige quando se joga com honestidade e equilíbrio de forças e interesses.
O desenvolvimento do Pensamento computacional com jogos de tabuleiro
Conforme já demonstramos em nosso livro: Ludoaprendizagem desplugada: pensamento computacional com jogos de tabuleiro no ensino fundamental (2021), e disponível gratuitamente em nosso site, os jogos de tabuleiro permitem que as crianças exercitem os pilares do pensamento computacional: abstração, reconhecimento de padrões, algoritmo, decomposição de problemas.
Nesse aspecto, o jogo Nana Shogi envolve todos esses conhecimentos sobre as bases do raciocínio humano que compõem a compreensão do pensamento computacional. Mesmo as crianças que não têm acesso aos conhecimentos básicos de computação, começam, a partir das operações mentais realizadas no jogo, a desenvolverem uma estrutura de pensamento e de abordagem do mundo que, por analogia, será necessário nas futuras aulas de programação, por exemplo.
Os jogos de tabuleiro compõem sistemas operacionais que se autorregulam e que funcionam no contexto de suas existências, podendo representar, por si só, inúmeras situações da realidade – por isso são chamados de abstratos. As maneiras de jogar e suas regras apresentam padrões que se repetem em diferentes matrizes da natureza – ao reconhecermos os padrões, podemos ajustá-los aos variados modelos de desenvolvimento de soluções e alternativas. Os algoritmos correspondem à execução ou elaboração de tarefas em um passo a passo pré-definido: para avançar ou vencer no jogo, o jogador faz uma projeção mental e programa as jogadas de modo a chegar ao resultado esperado. Por sua vez, para se dar bem numa partida é preciso compreender os problemas e as dificuldades, que podem ser enfrentados por partes: as aberturas do jogo, o desenvolvimento e os finais, que requerem ações específicas, por isso, decompor cada etapa em partes menores facilita sua compreensão.
Como programar a confecção do jogo Nana Shogi
Neste passo a passo de confecção do jogo são demonstrados com detalhes os materiais e os procedimentos a serem adotados. Existem muitas opções no uso de materiais como: cubos recortados em blocos de isopor ou adaptação de tabuleiros já existentes. Porém, consideramos aqui que a adoção de materiais fáceis de serem encontrados, como folhas de papel, vão exigir maior criatividade e exercício, tanto psicomotor quanto cognitivo, por parte dos alunos.
Depois de imprimir a folha contendo um histórico do jogo, suas imagens e as regras de uma partida, o pais ou professores devem permitir que os alunos leiam esse material, façam suas interpretações, retirem suas dúvidas, troquem ideias com os colegas e por fim, se unam em duplas para confecção dos tabuleiros e das peças. Caso queiram elaborar seu próprio jogo para depois levarem consigo, cada um poderá fazê-lo e isso garantirá um exercício individual mais completo.
A elaboração do tabuleiro de Nana Shogi
Em uma folha de papel A4, podem ser definidas as formas do tabuleiro com seu esquema gráfico correspondendo a 3 linhas por 3 colunas – um total de 9 casas. Ressalte-se que, os traços de composição do esquema podem ser feitos em cores que se destaquem. Uma dica importante é que a casa central do tabuleiro deve ter uma cor ou um tom diferenciado, pois esse detalhe fará parte da movimentação das peças, conforme as regras.
Mas, atenção para o tamanho das casas. Estas precisam comportar o tamanho das peças, evitando que elas fiquem maiores que o espaço dos quadrados. Por isso é importante definir com antecedência o tamanho dos lados dos cubos. Se estes forem feitos em dobraduras com os papéis de blocos de lembretes que se encontram em livrarias, com tamanho padrão de 83 mm X 83 mm, por exemplo, terão um tamanho aproximado de 4 cm em cada lado. Logo, os quadrados do tabuleiro devem ser um pouco maior, podendo chegar a 5,5 cm cada um, permitindo que os alunos consigam pegar manualmente cada cubo sem desorganizar as demais peças.
Mas, as peças do origami correspondes a cada lado dos cubos também podem ser feitas a partir de folhas de papel A4. Com paciência e cuidado, é possível orientar os alunos a demarcarem com lápis grafite e recortarem 6 quadrados em cada folha. Geralmente o papel A4 comporta 6 folhas de 9,9 cm cada uma.
Confecção dos cubos com uso das técnicas de Origami
Um dos cubos comuns de Origami é composto por 6 folhas de papel em quadrados e como exemplo, usamos o papel já mencionados, de blocos de lembretes, com tamanho de 83 cm X 83 cm. Não importa que sejam coloridas ou de uma mesma cor, contanto que tenham o mesmo tamanho e maleabilidade para serem dobradas. Vejamos o passo a passo dessa atividade com dobraduras.
Depois que os cubos estiverem prontos, os alunos podem confeccionar o tabuleiro com os quadrados medindo alguns milímetros maior que os lados dos cubos. Cada um dos lados do cubo pode ser confeccionado no computador, em programa Word para serem impressos ou podem ser desenhados e pintados pelos próprios alunos. Importante, porém, é perceber que, enquanto o Rei de cada jogador precisa apenas de um exemplar de cada, as Torres e os Bispos necessitam de quatro imagens iguais para cada lado, acompanhas de marcações ao seu redor.
Serão utilizados 4 lados de um cubo da Torre e 4 lados de um cubo do Bispo, considerando que eles serão girados para a frente após cada lance. Nesse caso, os lados laterais dos cubos ficarão limpos, sem desenhos ou marcas.
É importante perceber que os cubos podem ter iguais em desenhos e em cores diferentes para ambos os jogadores, uma vez que, o modo de diferenciá-los é idêntico àquele utilizado no Shogi original do Japão: basta que cada desenho de um jogador no tabuleiro esteja virado para a frente. As peças em que o Rei, a Torre e o Bispo apontam para frente pertencem ao jogador que está atrás delas e vice-versa.
Regras do jogo Nana Shogi
1 Em um tabuleiro de 3 casas por 3 colunas, cada jogador tem do seu lado 3 cubos com os respectivos desenhos de Rei (preto ou branco), Torre e Bispo (iguais em cores), que são posicionados fora do tabuleiro e voltados para frente, em direção ao oponente, indicando a quem pertencem as peças durante a partida.
2 O objetivo do jogo é, tal qual o nosso Xadrez, capturar o Rei do oponente, com o vencedor anunciando xeque-mate ao Rei adversário.
3 As peças começam dispostas fora do tabuleiro, em frente às primeiras fileiras. O Rei de ambos devem ser inseridos primeiro, um de cada vez, não podendo ser posto na casa central. Em seguida, cada jogador, na sua vez, vai inserir suas peças. As ações consistem em: inserir uma peça no jogo, fazer um movimento normal ou de captura, ou ainda inserir uma peça que já capturou e que passou a ser sua. As peças podem ser pousadas nas demais casas, menos na casa central, que somente pode ser ocupada por movimento.
4 Na colocação das peças, a imagem no alto do cubo da Torre e do Bispo pode estar em qualquer uma das 4 posições, observando-se as seguintes regras:
a) não é permitido baixar uma peça para dar xeque, xeque-mate ou empatar.
b) é impedido de dar xeque-mate ou criar impasse, o jogador que tiver peças não mão (fora do tabuleiro).
c) não se pode colocar nenhuma peça na casa central.
d) caso a única possibilidade do jogador de escapar do xeque for dar um xeque-mate ilegal ou gerar um empate, isso conta como perda do jogo.
5 A cada lance de movimento do jogador, seu cubo de Torre ou Bispo é virado para frente na casa seguinte, valendo, na próxima jogada, as indicações de casas para onde este pode seguir ou capturar. As bolinhas em torno do desenho indicam que a peça pode seguir para aqueles lados de casas adjacentes; mas, quando surgirem, além das bolinhas, os sinais de setas (->), significa que a peça pode seguir por mais de uma casa livre até a última, na direção do seu movimento, podendo anunciar um xeque, se for o caso, ou capturar a peça do oponente que estiver na chegada do trajeto.
6 O movimento das peças segue o seguinte padrão:
a) o Rei pode andar apenas uma casa para qualquer lado e nunca vira seu lado do cubo como as demais peças, ficando com a mesma imagem para cima;
b) a Torre anda sempre para as ortogonais (vertical ou horizontal), como no Xadrez normal e seu cubo vira para frente a cada lance;
c) o Bispo anda várias casas na diagonal ou ainda: uma das duas casas diagonais para frente e uma ortogonal para trás ou o inverso, uma casa ortogonalmente para frente e uma das duas diagonais para trás, girando a cada lance.
Atenção: para qualquer lado que Torre ou Bispo movimentem-se, inclusive para trás, o cubo é sempre girado para a frente, normalmente.
7 Sempre que o Rei for ameaçado, recebe indicação de xeque. O xeque-mate somente ocorre depois que é dado o xeque e o Rei não tiver como sair da posição ou a peça que deu xeque não puder ser interrompida ou capturada. Só pode dar xeque-mate o jogador que não tiver nenhuma peça sua na mão, ou seja, fora do seu lado do tabuleiro.
8 Regra importante na dinâmica do jogo: uma peça capturada pode voltar ao jogo, pertencendo a quem a capturou. Primeiro ela repousa em frente ao tabuleiro e somente na vez do jogador é que pode ser inserida em uma casa vazia, porém, não deve se posicionar dando xeque no Rei adversário e nem ser colocada no centro do tabuleiro. Recolocar uma peça capturada equivale a um movimento.
9 Se houver qualquer situação de impasse, com o Rei sem poder se mover, mas sem poder ser capturado, vence aquele que colocou o Rei oponente nesse impasse. Outro caso que gera empate é a repetição da mesma jogada por 4 vezes pelo mesmo jogador.
Baixe gratuitamente o livro: Ludoaprendizagem desplugada: pensamento computacional com jogos de tabuleiro no Ensino Fundamental: https://ludosofia.com.br/wp-content/uploads/2021/12/ludoaprendizagem_desplugada.pdf
Conheça mais sobre o Xadrez japonês Shogi: https://ludosofia.com.br/arqueologia/shogi-uma-variante-do-xadrez-com-a-marca-peculiar-da-cultural-japonesa/