Postado em: 31 de julho, 2021.
Muitos dos jogos de tabuleiro tradicionais de diferentes culturas parecem ter semelhanças entre si, mesmo que separados por séculos e continentes de distância. O jogo Xiangqi é um exemplo, a começar pela designação de “xadrez chinês” para diferenciá-lo do xadrez ocidental. Ao nos debruçarmos sobre suas origens e evolução percebemos que ambos vieram do mesmo ancestral, tornando-se variantes que mudaram detalhes do tabuleiro, das peças e da jogabilidade.
Xiangqi, ao seu modo, apresenta complexidades estratégicas que o torna igualmente dinâmico, mantendo a profundidade de níveis dos bons jogos abstratos. Significa dizer que apresenta um desafio crescente ao nosso raciocínio e capacidade de concentração tão importante hoje como valor pedagógico de aprendizagem. Devido às suas especificidades, devemos, primeiro, apresentá-lo no contexto comparativo com o nosso xadrez e com o Go, facilitando, assim, a compreensão estrutural e particular desse jogo tão popular na China.
De acordo com uma lenda chinesa, o Xiangqi foi criado por um general durante um acampamento numa guerra civil, com o intuito de oferecer aos seus soldados uma forma de entretenimento que mantivesse suas mentes afiadas para as batalhas. Contudo, para além dos mitos e narrativas populares, a real origem do jogo é incerta. Motivo de discussões até hoje entre historiadores é a hipótese de que o jogo tenha se originado em outro país, como, por exemplo, a Índia.
De todo modo, o jogo se firmou na China e gradativamente adquiriu popularidade. De acordo com o historiador John Gollon, no livro Chess Variations: Ancient, Regional, and Modern, de 1974, uma das razões do sucesso do jogo é que, na antiguidade, enquanto em muitos países o xadrez tornava-se um passatempo da elite, na China o Xiangqi podia ser comprado até mesmo pela população mais pobre. Isso se devia, majoritariamente, ao baixo custo dos discos de madeira que, ao serem inscritos com os ideogramas corretos, tornavam-se parte do jogo. Essa acessibilidade potencializou a expansão do xadrez na China, fazendo com que, mesmo séculos tendo se passado desde a sua criação, ele ainda figure entre os jogos de tabuleiro mais jogados naquela nação mais populosa do mundo.
Constituição do tabuleiro e das peças
No Xiangqi, o tabuleiro teria o mesmo princípio do Xadrez ocidental, com 8 por 8 linhas e colunas, não fosse por um detalhe: no meio da sequência de 8 linhas horizontais existe uma separação: uma faixa em branco que vai de uma lateral até a outra, e que constitui o rio. Outra pequena particularidade são as duas linhas em forma de X cortando quatro casas centrais das duas primeiras linhas horizontais de cada jogador.
Quanto às peças, são 16 delas para cada participante, em duas respectivas cores, compostas por: 1 General, 2 Conselheiros, 2 Elefantes, 2 Carroças, 2 Cavalos, 2 Canhões e 5 Soldados. Geralmente essas peças vêm com os ideogramas nas cores vermelha para um jogador e preta para o outro, com o exército vermelho fazendo o movimento inicial.
O desconhecimento dos caracteres chineses que ficam no topo de cada disco pode desestimular alguns indivíduos a conhecer o jogo. Por isso, é comum que se encontre versões do Xiangqi no Ocidente em que as peças têm desenhos no lugar dos ideogramas. Ainda assim, algumas poucas partidas já são o bastante para que se comece a memorizar o que cada ideograma representa, como um símbolo, mesmo que o jogador não possua familiaridade com o mandarim.
Diferentemente do xadrez convencional, nem todas as peças ficam em limites opostos do tabuleiro ao início do jogo. No xadrez chinês, tanto os soldados quanto os canhões se posicionam mais próximos do meio do tabuleiro no início do confronto, antecipando as primeiras capturas. Por serem posicionadas nas intersecções das linhas que cruzam o campo de batalha ao invés de dentro dos quadrados, as peças têm 90 possíveis espaços para ocupar durante o decorrer do jogo, muito mais do que no nosso Xadrez.
No centro do tabuleiro, uma faixa representando o rio divide o jogo pela metade, afetando diretamente os elefantes de cada exército, que não podem atravessá-lo. Por vezes, alguns tabuleiros têm as inscrições gravadas na madeira, que significam, respectivamente, Rio do Chu e Fronteira de Han, fazendo uma referência à guerra civil que ocorreu na China na Antiguidade e que deu início à dinastia de Han. Por fim, cada lado do tabuleiro tem quadrados com linhas diagonais no fundo de cada território, que representa a Fortaleza, de onde o General e seus Conselheiros não podem sair.
Movimento das peças
General: pode movimentar-se uma casa para frente, para trás ou para os lados. Por serem as peças mais importantes do jogo, os generais ficam protegidos na área da Fortaleza, de onde não podem sair.
Conselheiro: anda uma casa para qualquer uma de suas diagonais. Também não podem sair da Fortaleza, visto que são seguranças do General.
Elefante: movimenta-se exatamente duas casas em qualquer uma de suas diagonais. Caso uma peça de qualquer um dos jogadores esteja no caminho, a mesma não pode ser pulada. O Elefante também não pode cruzar o rio, fazendo com que só tenha sete possíveis posições durante todo o jogo.
Carroça: a peça que mais possui semelhanças com sua correspondente no xadrez ocidental, tendo o mesmo tipo de movimentação que a torre, com deslocamento em reta, na horizontal ou vertical.
Cavalo: anda uma casa na horizontal ou vertical e em seguida uma casa na diagonal subsequente. Diferentemente do que ocorre no nosso xadrez, essa peça não pode pular outras, impossibilitando o movimento caso alguma peça esteja imediatamente à sua frente.
Canhão: posiciona-se duas fileiras à frente das peças anteriores ao início do jogo. Movem-se da mesma forma que as carroças, porém só podem capturar uma peça caso tenha outra, de qualquer um dos times, entre o canhão e a peça a ser capturada. Atenção: o canhão somente pode pular peças se for para capturar.
Soldado: ficam na fileira mais avançada, apenas uma atrás do rio. Não podem movimentar-se para trás nem para os lados antes de atravessar o rio. Quando o atravessam, adquirem a habilidade de andar para os lados.
Regras pontuais
Caso um dos jogadores esteja sem opção de movimento, como, por exemplo, só tendo peças que não possam cruzar o rio, a vitória é dada ao outro participante.
Nesse jogo, o xeque perpétuo é proibido. Um jogador não pode dar mais do que três cheques seguidos com a mesma peça no General inimigo.
Por último, os dois generais não podem estar na mesma coluna sem nenhuma peça entre eles. Na China, acredita-se que essa regra existe, pois, dentro da dramatização do jogo, um General jamais deixaria que o outro visse a sua posição.
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