Postado em: 12 de junho, 2019.
Viver num ambiente empresarial de alta competitividade é como estar perdido em uma floresta, sabendo que um felino selvagem está rondando seus passos. O que você deve fazer? Fugir do confronto, contra-atacar a ameaça ou apenas esperar? Um fotógrafo da vida animal que passou por essa experiência pode servir de exemplo para esse desafio dentro de uma organização em que se vive sob constante tensão.
A decisão daquele fotógrafo de aceitar fazer fotos do Quetzal Resplandecente em seu habitat natural, numa floresta da América Central exigiu, como em muitas outras ocasiões, dias de preparação e leitura sobre os hábitos desse pássaro raro e ameaçado de extinção; mas principalmente, sobre o ambiente selvagem no qual o encontraria. A profissão de fotografar a vida selvagem em missões como essa em lugares inóspitas, o ensinara o que levar na mochila em termos de mantimentos, remédios e pequenos instrumentos. Além, claro, de estar com as vacinas de proteção a doenças tropicais em dia.
Tinha ideia dos animais perigosos ou venenosos que poderia encontrar e sabia como identificá-los, até mesmo pelo cheiro, quando se tratava de animais de porte médio ou grande. Também estava na companhia de um guarda florestal, que fazia papel de guia da região e conhecia bem as trilhas, assim como os lugares onde poderiam encontrar o Quetzal Resplandecente. Era uma ave de hábitos solitários, belíssima, principalmente o macho, que costuma ter plumas verde-esmeralda e vermelho-vivo, para atrair as fêmeas. Seu tamanho, cabeça e corpo, pode chegar a 40 centímetros, porém, sua cauda ultrapassa os 60 centímetros.
O fotógrafo e o guia encontraram-se em uma pousada de uma pequena cidade na região da floresta, foram levados de carro até onde veículos podiam passar e depois seguiram a pé, mata adentro, com suas mochilas e equipamentos. Foram dois dias de caminhada, atravessando córregos, subindo lugares pedregosos e abrindo picadas na mata. Chegaram a ouvir e até ver alguns Quetzals, mas ainda não era o Resplandecente; a cada trajeto aumentava a expectativa de que estivessem próximos de encontrar um exemplar que permitisse uma fotografia digna do esforço.
Porém, uma chuva inesperada fez com os dois aventureiros procurassem um abrigo seguro. Chuvas repentinas deixavam as pedras escorregadias e o solo encharcado. Tentaram alcançar uma caverna, escureceu rapidamente e o fotógrafo perdeu-se do seu guia. O barulho da chuva impedia que seus gritos fossem ouvidos. Tateando no escuro, o fotógrafo conseguiu chegar a uma frondosa árvore, com galhos baixos, sob os quais pode se proteger. Foi uma noite difícil, com sono entrecortado, frio e pouco agasalho, pois as tendas ficaram com o guia.
Mal surgiram os primeiros raios de sol e o fotógrafo estava de pé, gritando pelo companheiro de jornada e procurando lugares mais abertos. Tentou uma passagem pelas pedras, escorregou em uma delas e quase caiu, machucando o joelho. A dor foi imensa, embora percebesse que não havia quebrado nada. A consequência desse deslize é que foi mais grave: sua mochila despencara ribanceira abaixo, caindo a muitos metros de altura, dentro do riacho. Procurou na roupa e percebeu que havia perdido seu celular e o GPS, salvara apenas a máquina fotográfica com sua lente especial de zoom, que estava pendurada no pescoço.
Poderia ter sido pior, pensou consigo mesmo, caso tivesse caído. Mas, a situação ficara complicada. Estava perdido na floresta, sem mochila e equipamentos, machucado do joelho, o que mais poderia acontecer? Sua esperança é que o guia o encontrasse pelos gritos e pelos rastros de galhos e pedras demarcadas que ia deixando pelo caminho. Ao menos, contava com água da chuva para beber e pequenos frutos silvestres, que eram alimentos de pássaros e animais frutívoros.
O fotógrafo tentou encontrar o caminho de volta em vão. Andava devagar por causa da perna, evitando apoiar-se demais nela. Não reconhecia os lugares por onde passou. Tinha noção, pela trajetória do sol e das nuvens de onde viera, mas não era garantia de que chegaria no lugar onde o carro os havia deixado… o que mais poderia acontecer? Bem, aconteceu de sentir o odor de um animal grande, como um felino. Conhecia bem esse cheiro. Quase entrou em pânico. Seu coração disparou, um frio percorreu a espinha e as pernas tremeram. De imediato pensou: se sentira o cheiro do bicho, talvez ele não tivesse sentido o seu, por estar contra o vento. Pegou um galho grande, arrancou os pequenos gravetos e fez dele uma pequena muleta para andar mais rápido, ao mesmo tempo em que poderia usá-lo como arma para se defender.
Seguiu na direção contrária do vento, procurando afastar-se o máximo que pode do lugar. Parou num córrego, molhou bastante o joelho, tentando adormecê-lo com a água fria. Comeu uma barra de cereais que estava no bolso e algumas frutinhas. Não demorou para seguir em busca de uma trilha de retorno. Algumas horas depois, para sua surpresa, retornou a uma trilha na qual estavam suas pegadas, havia andado em círculo e o que era pior: junto às suas pegadas estavam as pegadas do felino. Devia ser um Jaguar, pois sabia que eles habitavam aquela região, embora fossem cada vez mais raros. Mesmo que fosse o último exemplar, estava vivo e procurava comida. Novamente a sensação de ansiedade, tensão e pavor. Olhava para todos os lados, procurava sentir o cheiro da fera e agora usava o galho levantado em posição de defesa, pisando no solo sempre com cuidado para não fazer barulho nos gravetos.
Esse é o ambiente propício ao estresse que desde a antiguidade os seres humanos enfrentaram. O perigo à espreita, quer seja de animais ou de inimigos. E que nos tempos de hoje parece permanecer dentro de grandes empresas, na qual a competitividade é constante. Dirigentes querem resultados, colegas de trabalho querem o seu lugar, concorrentes querem a sua queda para que possam assumir os espaços. Por entre reuniões, encontros, sorrisos e apertos de mão, conversas e confidências, nunca se sabe quem são os inimigos a espreita. Um deslize e você é frito, no mínimo substituído e escanteado. Não dá para cometer erros e nem baixar a guarda.
Para o fotógrafo era muito pior, aquela ameaça podia lhe custar a vida. Chegou a uma grande pedra, um lugar onde podia ver todos os lados, escondeu-se um pouco e procurou respirar. Sabia que, mesmo sendo mais inteligente do que o felino, estava no ambiente dele, sob as condições que o animal conhecia melhor do que ninguém. E ainda por cima, sentia-se enfraquecido pela dor no joelho, empunhando apenas um galho de árvore de pouco mais de dois metros. Respirava longamente para oxigenar o cérebro e não entrar em desespero. Devia relaxar um pouco para pensar melhor e canalizar a adrenalina para um possível confronto. A mente sabia de tudo isso, mas o corpo, com sua sabedoria milenar, reagia com todas as químicas de alerta e tensão que podia, liberando adrenalina constantemente.
Conseguiu descer uma pequena escarpa e atravessou uma parte da floresta que não era muito alta. Vislumbrou uma clareira e seguiu para lá, sempre alerta aos cheiros e com o devido cuidado para não ser ruidoso. Ao passar por uma pequena árvore e livrar-se do galho, deu de cara com a fera. Ao mesmo tempo em que o viu, o felino também percebeu sua presença. Seus olhares se encontraram no meio do caminho como choque magnético. Percebeu de imediato que era um Puma, quase totalmente negro, pois mostrava uma parte das pintas de onça malhada no dorso. Seus dentes estavam a mostra e seus pelos eriçados. Gélido ficou seu corpo sem conseguir fazer um movimento sequer. Sentia-se prisioneiro do olhar da fera.
Tentou pensar mais rapidamente enquanto a situação estava em suspenso. Levantara o galho devagar e por impulso, para demonstrar que estava armado, projetando-se como se fosse maior que o Puma. Ele também não se mexia, apenas o fitava com aqueles olhos claros e mortíferos.
O que poderia fazer? Correr nem pensar, atrairia o animal em seu percalço e seria facilmente pego. Contra-atacar ameaçando-o com o galho numa mão e a máquina fotográfica na outra, como se fossem armas? Talvez apenas o provocasse ainda mais numa reação mais forte. Ou ficar ali parado, esperando o que aconteceria? Isso era terrível: esperar os movimentos do inimigo. Aquela situação demorou um tempo que o fotógrafo não sabia quanto havia sido. Dois, três ou cinco minutos? Pelo tanto de suor e tremor, poderia ser mais. De repente, o Puma mexeu a cabeça, baixou e levantou os olhos novamente, passou por entre uns galhos; e o fotógrafo virou-se, correndo para o lado oposto. Não se importou com as dores no joelho, apenas correu. Desceu para o regato e o atravessou. Tinha mais chances do outro lado, podia despistá-lo caso estivesse sendo seguido. Voltou à pedra onde descansara antes e protegeu-se ali, mais para recuperar o fôlego do que para se esconder propriamente. O coração estava a ponto de sair pela boca, seu ventre se contorcia, tentando reestabelecer a respiração.
Pensou no que ocorrera. Talvez o animal tivesse realmente achado que a máquina fotográfica fosse uma arma, como as que ele podia ter visto com caçadores que o perseguiram algumas vezes. Talvez os braços levantados tivessem demonstrado que sua presa não seria fácil de ser pega e deixou para outra ocasião, afinal, o Jaguar nunca ataca de frente, espera o momento certo. Quem sabe… não era fácil pensar no que acontecera e porque ainda estava vivo. Conhecia bem os felinos, sabia da sua agressividade quando em seus territórios. Voltou a afastar-se com rapidez. Não podia gritar para pedir ajuda, com medo de chamar a atenção do Puma.
Algumas horas depois de uma longa e difícil caminhada, devido às dores e ao cansaço, ouviu gritos. Alguém o chamava. Respondeu de volta, olhando sempre para trás e seguiu em direção às vozes. Reencontrou o guia, juntamente com outros guardas florestais. Estavam com sua mochila e correram ao seu encontro. Quase desmaiou nos braços deles, chorando num misto de alegria e alívio. Fizeram uma maca e o levaram de volta ao carro, sendo transportado para a cidade. Seu celular, reparou, tinha inúmeras chamadas, da esposa, do guia, dos amigos e desconhecidos que podiam ser os guardas florestais.
Em vários momentos da minha vida como integrante de cargos estratégicos de empresas deparei-me com situações como essa; apesar do grande estresse, da tensão, sempre soube deixar a adrenalina fluir. Percebi que, como o fotógrafo diante do Puma, não precisava me precipitar diante de ameaças. Fugir demonstraria minha fraqueza; contra-atacar era sempre um “tiro no escuro”, por não saber o que me esperava realmente; por isso ficava na minha posição, apoiado nas minhas convicções e nos meus princípios, ciente das minhas armas de defesa e ataque, mas sem alarde. Demonstrava segurança suficiente e aguardava os movimentos. Na maioria das vezes a ameaça se dissipou e em poucas ocasiões o confronto precisou ser contornado.
Essa minha consciência consolidou-se principalmente depois que, diante da história do fotógrafo pude compreender melhor o significado simbólico da presença do jaguar na vida dos povos da América Central. De acordo com as lendas milenares, o Jaguar é a sentinela da floresta e o guardião do portal da morte. Para os nativos, a vibração indomável do felino significa morte e renascimento, ajuda na identificação daquilo que precisa morrer dentro de nós, para que um ressurgimento ocorra. Dizem que, quando um mal nos acomete, como uma doença grave, por exemplo, podemos ter a oportunidade de recuperar a saúde, mas também de passar para uma nova ordem, dar um salto para uma qualidade de vida muito melhor. Os nativos dizem que, somente está aberto às mudanças quem sofre forte tensão e desequilíbrio com impactos emocionais. Faz sentido, porque, sistemas estáveis e acomodados resistem às transformações. A experiência de ver um Jaguar é sentir toda a força viva da natureza. O Jaguar tem uma simbologia de morte, mas uma energia de vida, atuando como um guia para novas experiências interiores.
Preciso dizer que eu era aquele fotógrafo, que sobreviveu ao perigo de estar diante de um felino predador, dentro de uma floresta, machucado e debilitado. Mas, aprendi uma preciosa lição: por mais que o corpo esteja machucado e a química do organismo, em ebulição; por maior que seja o medo, o sofrimento ou a raiva, nem sempre sou eu quem tem de agir, nem sempre sou eu quem tem de dar o lance decisivo no jogo; só tenho que estar preparado para o movimento – porque a vida segue independente do que eu faça.