Postado em: 16 de agosto, 2019.
Na pequena vila formada por guerreiros renegados pelo príncipe bastardo que assumira o trono, o povo vivia temeroso por um ataque surpresa do exército do reino. A vila não tinha um regimento próprio, apenas ex-soldados e colonos dispostos a defender suas terras e suas tradições. Não aceitavam os altos impostos cobrados pelo príncipe uma vez que não se sentiam representados ou protegidos por ele, desde que seu pai, o Rei, morrera de maneira suspeita.
A filha do antigo general do Rei, que fora encarcerado e morto pelo príncipe, crescia na vila como uma jovem preocupada com essa situação de possível invasão do reino ao vilarejo. Mas, os anciãos do conselho da vila, embora a respeitassem muito pelas suas origens, ensaiavam atenção e apoio à impulsividade e coragem daquela adolescente, certos de que ela não faria diferença diante de um confronto.
Houve uma época de glória em que o Rei unificará a região com sua sabedoria e a coragem de um exército fiel. Sua morte repentina permitiu que assumisse o trono seu único filho bastardo, do qual o povo não gostava. E veio um tempo de conflitos e desavenças.
O general fora feito prisioneiro com alguns conselheiros mais próximos, morrendo todos nas masmorras do castelo. Mas, um grupo de soldados guerreiros que lhe era fiel conseguiu sair do castelo para se alojaram em uma vila mais distante, criando seu próprio reduto. Entre eles estava a esposa e a filha do general, que talvez não tenha tido o mesmo destino porque era mulher e não filho homem. Mas, o general orgulha-se da filha e a havia preparado do mesmo modo que teria feito com um filho.
Mandhuhai, a filha do general tinha a esperteza do pai e sabia que para enfrentar um ataque, o povo precisava estar preparado. Matinha contato com muitos colonos que adentravam as muralhas do castelo para levar alimentos a serem vendidos nas feiras livres. Eles relatavam toda a movimentação do exército do reino. Também costumava transitar por todos os recantos da vila e conhecia bem as pessoas, os ex-soldados do seu pai e os colonos mais jovens.
Ela ajudava e orientava os colonos madeireiros que cortavam grandes árvores para construções de novas casas e ambientes da vila; ensinava aos jovens a serem exímios caçadores com seus arcos e flechas; sabia como ninguém a domar potros selvagens para servirem de animais ajudantes das plantações. E sempre reportava ao conselho da vila sobre a necessidade de se manterem preparados para qualquer surpresa vinda do reino.
Esse receio foi crescendo aos poucos ao saber, pelos colonos que comercializavam na corte, sobre a chegada de homens vindos do Norte, a fim de fortalecer o exército do rei tirano. Evidente que eram mercenários, pagos para fortalecerem a legiões de cobradores de impostos do reino. O próprio novo rei tratava de treinar com seus soldados, ao lado de seu principal comandante.
Todos sabiam que a arrogância e ambição do rei bastardo vinha do berço. Afinal, sua mãe não se tornara rainha, por ter sido preterida por uma filha de um fidalgo da corte. Ela viveu como uma das mulheres empregadas do castelo. E a nova rainha havia morrido ao ficar grávida, acometida por uma doença, não chegando a dar a luz ao herdeiro do rei. Com a solidão e a tristeza que tomou conta do Castelo nos anos seguintes e tendo chegado à vida adulta, o príncipe bastardo tramou sua chegada ao poder. Nunca ficou claro do que o Rei morreu, mas o bastardo e seus súditos fiéis assumiram o poder.
Com a movimentação das últimas semanas na corte, a filha do general sabia que o exército estava se fortalecendo. Até que souberam que o próprio príncipe comandara uma investida a um dos lugarejos. Eram os preparativos para um ataque à vila que não reconhecia esse rei.
Alguns conselheiros da vila até sugeriram que poderia se afastar ainda mais do castelo, mas a única opção seria irem para depois das grandes montanhas, onde estariam a mercê de muitos outros invasores bárbaros. Ao mesmo tempo sabiam que não tinha homens suficientes para compor um exército de resistência ao exército do reino. Eram dias de muita aflição, embora todos estivessem dispostos a defender a vila com a própria vida.
Mandhuhai, entretanto, não perdia tempo com especulações e procurava preparar seu povo para uma defesa. Reuniu-se com os colonos madeireiros, orientando-lhes o que fazer. Armou bem os arqueiros jovens e escolheu dois deles para estarem em uma posição privilegiada. Orientou os colonos para reunirem os cavalos todos juntos, deixando-os devidamente prontos. E ainda matinha um grupo de jovens guerreiras que eram capazes de transitar velozmente de um lado para outro levando informações aos colonos mais distanciados da vila.
Seus colonos espiões estavam sempre a dizer como se movimentava o exército do reino, sobre os exercícios de campanha cada vez mais intensos. Mas, também sabia ela que o próprio príncipe viria ao lado de seu novo general, para o ataque, pois era próprio dele se aproveitar dessa situação de superioridade para demonstrar ao povo sua pretensa bravura e coragem, ser visto como um rei guerreiro e exibir seu poder.
Na madrugada e amanhecer do dia em que o exército do reino saiu do castelo devidamente preparado para atacar a vila, a filha do general já estava pronta. Acionou suas guerreiras informantes para anunciarem a todos que o momento chegara. Não seriam pegos de surpresa e poderiam até perder a batalha, mas fariam um estrago imenso no exército de mercenários do novo rei.
Para atrair o rei e seus soldados, um pequeno grupo de colonos se posicionara na estrada de entrada da floresta, montados a cavalo, com seus arcos e flechas. Foi a primeira resistência. O exército seguiu para cima desse grupo que logo fugiu floresta adentro, seguido pelos mercenários.
Perto da saída da floresta veio a primeira surpresa: os colonos madeireiros haviam amarrado várias grandes árvores pela parte mais alta de seus troncos, umas às outras, com cordas resistentes; e cortaram o tronco, na base delas até à metade, de modo que, ao derrubarem algumas sobre o exército, estas arrastariam todas as outras com a queda. E funcionou. Foi uma ação surpresa para o rei e seus soldados, que causou estrago em carroças, matando vários homens.
Ao saírem para um descampado em direção à entrada da vila, foram recebidos por um novo ataque. Uma manada de cavalos, com alguns guerreiros apenas em cima de alguns deles, avançaram em direção ao exército. De imediato o general do rei não percebeu o que estava acontecendo. Por que um bando de cavalos vinha ao ataque, comandados apenas por alguns homens montados em alguns deles?
Porém, os cavalos estavam muito bem amarrados uns aos outros, com cordas que os deixavam espaçados, mas sem conseguirem se desgarrar. As cordas se esticavam lateralmente e presos nelas estava pequenos pedaços de madeira pontiagudas. Os homens da vila levaram os cavalos a um estouro em direção ao exército e saíram da rota em tempo. Os mercenários acharam que poderiam se esquivar dos cavalos, mas, ao passarem por entre eles, foram arrastados e derrubados pela força dos animais, o que deixou alguns mortos e muitos feridos.
Em meio a esse novo tumulto, os jovens arqueiros da vila começaram a atirar suas flechas. Porém, dois deles se matinha escondidos a observar, até conseguirem identificar seus alvos a uma distância fatal: o rei e o general. A precisão de suas pontarias também funcionou e conseguiram matar os dois. Com isso os mercenários ficaram atordoados e embora tivessem um comando entre eles, não tinham mais tanto propósito no ataque, por isso recuaram e fugiram.
O povo da vila havia conseguido a façanha de derrotar o exército da corte, além de aniquilar o rei bastardo e seu general. A notícia logo se espalhou por toda a região, para alegria dos vilarejos e cidades que tanto foram oprimidos. No vilarejo houve festa para comemorar. E a filha do general tornou-se uma heroína. Por isso, foi homenageada pelo Conselho de anciãos. Nessa noite um dos anciãos soube explicar exatamente o que houve, fazendo um relato para todos:
— Acompanhei como nossa guerreira foi sábia. Ela agiu como uma verdadeira estrategista, procurando manter-se informada de tudo o que acontecia no castelo, criando uma rede de informações entre todos os colonos; também conhecia cada colono desta vila e suas habilidades, cuidando de colocá-los em posições conforme suas destrezas, os lenhadores, os cavaleiros, os arqueiros; e por fim, soube conduzir a ação de confronto. No momento certo todos agiram e colocaram em prática suas orientações de defesa e de ataque.
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Com o passar do tempo, a corte se reestabeleceu, tendo que escolher um novo rei entre eles. E isso foi feito com tanta sabedoria que, em poucos anos, a vila e seus jovens foram incorporados ao novo reino. Não demorou muito para que a filha do general se tornasse a comandante do exército do castelo. A vila virou símbolo de resistência e de esperteza. O reino entrou em uma nova era, composta pelos Conselheiros da vila e da corte que souberam consolidar uma paz duradoura e próspera para toda a região.