Postado em: 7 de abril, 2019.
As pessoas costumam concluir que sou um empreendedor bem-sucedido, por causa do ato de bravura que me deu uma medalha de guerra. Mas, esse mérito não diz tudo. Na verdade, uma lição que aprendi naquele dia, me fez salvar o pelotão de uma emboscada, voltar vivo do confronto e reconstruir minha vida em família.
Os empreendimentos me proporcionaram muitos fracassos, como ocorre com a maioria dos que arriscam ter seus próprios negócios. Porém, sempre que estava em crise vinha-me à mente aquela valorosa lição, dada por quem eu menos esperava, uma vítima da guerra.
Uma emboscada mortal
Era abril, chovia muito e fazia um frio pouco comum para aquela época. Meu pelotão, composto por 14 homens havia sido encurralado num lugarejo em ruínas. Nosso comandante, um jovem tenente, tinha pouca experiência e estava assustado, como todos nós, em meio ao fogo do inimigo.
Fomos recuando aos poucos e nos protegendo nos casebres despedaçados que haviam sido bombardeados pelos morteiros dos dias anteriores. Depois de escapar por pouco de uma rajada de metralhadora de longo alcance, eu, o tenente e mais um colega arrombamos uma porta com os ombros e fomos cair em um quarto escuro. Arrastamo-nos para uma área mais protegida e encontramos um pequeno grupo de civis encolhidos em um cubículo. Nosso pelotão conseguiu posicionar-se um pouco mais acima e resistia ao avanço da patrulha que nos atacou.
Tivemos algumas horas de trégua. Com certeza os inimigos estavam analisando nossa posição para reiniciar o ataque. Enquanto isso, fazíamos reconhecimento do lugar em busca de saídas para uma nova fuga. Uma senhora, com seu filho adolescente, um idoso e uma criança de pouco mais de um ano compunham aquela família desprotegida e assustada. Ela nos mostrou duas saídas, mas ambas davam para lugares abertos, nos quais seríamos alvos fáceis.
Sentei-me num canto, exausto, com fome e com sede, sem coragem de pedir alguma coisa do pouco que restava daqueles pobres coitados que, talvez, não sobrevivessem por muito tempo. A senhora tinha os olhos vívidos e a voz firme de alguém de meia idade, mas, tinha o rosto enrugado e maltratado, como o de quem já sofrera muito. Ela segurou-me levemente o braço, tendo por entre os dedos, um crucifixo bastante usado.
— Você é tão jovem, tem tanto por viver ainda… – disse-me olhando-me nos olhos. Não consegui responder uma palavra, nada me veio à mente. E ela perguntou:
— Não gostaria de ter filhos, vê-los crescer? – Surpreso, apenas mexi com a cabeça afirmativamente.
—Então faça isso por eles… só precisa resolver os problemas de agora. Sua família está logo ali, depois dessas dificuldades.
Passaram-se muitas coisas pela minha cabeça, nem sei o que disse a ela e não lembro mais dos detalhes que vieram nos minutos seguintes. Mas, lembro claramente de que, aos nos reunirmos em um grupo de cinco colegas mais o tenente, sugeri um plano: o pelotão inimigo sabia da área onde estávamos alojados e a qualquer momento poderia avançar, por isso, ao invés de recuar, poderíamos, pelo menos parte do nosso grupo, avançar cautelosamente para mais próximo deles e criar a nossa emboscada. Eles estavam focados no reduto no qual nos escondêramos anteriormente, por isso seriam surpreendidos de imediato. O restante do nosso pelotão faria sua sobrecarga com o pouco da munição que tinham.
Bem, se estou vivo contando essa história é porque conseguimos realizar o plano. Provocamos uma baixa significativa naquele grupo de ataque, fazendo com que o restante deles recuassem. Com isso, encontramos novas rotas de fuga que nos levou para mais próximo de nossas tropas. Fomos resgatados e escapamos… Nem sequer pensei naquela mulher e sua família, só me lembrei quando já estava em casa. Jamais soube do destino deles.
Meus fundamentos de empreender
Sim, constitui família, tive filhos, iniciei e reiniciei meus próprios negócios várias vezes. Mas, sempre que vinha um fracasso mediante as crises, quer seja por minha inexperiência, que seja pela conjuntura de um país em construção, eu pensava fortemente nas palavras daquela mulher, no meio da guerra, me dizendo para não me perder no sofrimento e nas agruras do agora, e pensar no que me esperava para ser realizado mais adiante.
Quando focamos demais nas dificuldades, tudo parece sacrifício e esforço demasiado para nós; quando pensamos no que podemos conseguir ou queremos realizar após aquela dolorosa etapa, nossa mente começa a procurar soluções imediatas com o que tem à disposição.
Em muitas palestras, entrevistas e depoimentos que já dei, como empreendedor realizado que passou por tantas crises e recaídas, as pessoas costumam justificar meu sucesso pela façanha de guerra, pelo trabalho exaustivo, pela minha inteligência de ver soluções e persistência em me manter lutando. Sim, tudo isso contribuiu, como é comum à maioria dos gestores que se realizam; mas poucos percebem o que realmente nos movem ao esforço, à criatividade e à persistência de continuar a luta.
Essa pequena lição em meio à guerra, que me foi dada por uma vítima das atrocidades humanas e veio das forças daquela mulher, rege todas as minhas atitudes e move minhas decisões de como superar adversidades. Dedicação, perspicácia e superação não vêm do nada; vêm da necessidade de realizar um sonho, cumprir um propósito ou projeto maior, que está posto ali, após as adversidades.