Postado em: 2 de janeiro, 2020.
Gestão pessoal e organizacional requer de nós, uma percepção de fluxo dos processos vitais que regem atitudes e comprometimentos diante das mudanças contínuas na cultura humana. Das tomadas de decisões vocacionais nos estudos às visões empreendedoras, compreender os fluxos comunicacionais, emocionais e de produção de valores é uma condição essencial para se conseguir bons resultados. Em analogias ou metáforas são exatamente esses aspectos que os jogos de tabuleiro antigos e modernos, provenientes de todas as épocas e culturas, permitem simular e vivenciar no contexto de construção coletiva de experiências e conhecimentos.
O pensamento estratégico proporciona uma maneira de ver o mundo com as matrizes que fazem a mente e o cérebro lidarem com a iminência das mudanças, a atitude das decisões, a dinâmica dos feedbacks, a especulação do desconhecido. Matrizes que estão presentes nos jogos de tabuleiro, em que grupos de jogadores movimentam-se durante o fluxo oscilatório entre o controle e a aleatoriedade de fatos e eventos imediatos. Nesse contexto, os jogadores são motivados, fundamentalmente, pela alegria e prazer do entretenimento e da diversão, cujo estado de humor incita estímulos de satisfação responsável por nossa saúde mental.
Nos jogos de tabuleiro, os jogadores podem se enfrentar competitivamente ou interagir colaborativamente, como equipes. Todos observam o panorama de uma trama empreendedora que se inicia e cada um toma suas decisões de ação: as respostas imediatas em cada rodada os fazem repensar as atitudes para escolha da melhor estratégia, permitindo-lhes vivenciar as tensões e emoções dos conflitos, trocar ideias e aconselhamentos, enfrentar desafios e adversidades com uso do raciocínio ou da intuição. Instigam a tirar lições dos pequenos fracassos para aprender como vencer nas próximas partidas. As reflexões sobre o resultado, proveniente das atitudes, bem como, das implicações que isto tem para a realidade pessoal e coletiva são os ganhos mais valiosos.
Exemplos de jogos de tabuleiro e visão estratégica
Existem disponíveis atualmente uma infinidade de jogos de tabuleiro que se direcionam a crianças e adultos, em ambientes familiares, escolares e empresariais. Desde os conhecidos jogos para dois jogadores como Damas, Xadrez, Firo, incluindo os provenientes de culturas milenares, como Senet, Mancala, Surakarta, Jarmo aos criados mais recentemente, como Quarto e Reverse; dos jogos de tabuleiro estratégicos tradicionais, como War, Banco imobiliário, Imagem & ação, aos eurogames ou jogos de estilo alemão, criados a partir da década de 1990, como Catan, 7Wonders, Ticket to ride, Tokaido, The Grizzled: todos apresentam mecânicas e jogabilidades baseadas em matrizes de narrativas e tramas próprias da cultura e da mentalidade humana, como arquétipos que se repetem do princípio da história da civilização aos dias atuais.
Jogos de tabuleiro de todas as épocas apresentam bem elaborados sistemas de fluxo de ação, cujas peças têm propriedades variadas para circularem de forma dinâmica: a complexidade do jogo se expressa na simplicidade de sua mecânica.
Jogos de tabuleiro modernos (eurogames), por sua vez, impressionam pela aparente diversidade de formas, peças e ações, porém, revelam uma unidade metafórica que se agrega pelas narrativas aventurescas de suas temáticas.
Podemos escolher como exemplos, um jogo de tabuleiro antigo para dois jogadores e um jogo de tabuleiro moderno, para jogar em grupo de três, quatro ou mais jogadores, ambos diferentes dos mais conhecidos: Jarmo e 7Wonders.
A ideia básica de fluxo de Jarmo
Encontrado com os mongóis, mais precisamente com o neto de Genghis Khan, Batu Khan, esse jogo tem como narrativa um confronto entre dois grupos de arqueiros que, por mérito, durante a partida, podem ser mais valiosos quando capturam oponentes e mostram a marca da conquista, virando-se a peça de ponta cabeça.
Em Jarmo, uma matriz intrincada resulta num sistema bastante versátil.
A visão do tabuleiro dá uma dimensão do entrelaçamento de rotas e jornadas possíveis a cada um dos arqueiros para evitar ou confrontar adversários, com o objetivo de se chegar do outro lado, no território inimigo sem ser capturado. Esse é o objetivo do jogo: alcançar os círculos iniciais do oponente com todos os seus arqueiros ativos no tabuleiro, momento em que se encerra a partida e se faz a contagem dos pontos. Uma observação importante nas estratégias de ação: quando um arqueiro já marcado chega a um dos círculos iniciais do adversário, para não ser capturado pode ser imediatamente trocado por um arqueiro de seu grupo que já foi capturado, retornando este a um dos círculos de onde originou sua jornada. Essa renovação possível melhora as condições do jogador.
A característica dinâmica desse jogo é que o tabuleiro pode ser virado quatro vezes em partidas subsequentes, dando a cada jogador uma nova matriz de fluxo de movimento das peças. Ao mesmo tempo em que permite escolher posições que podem estar isentas de ataques adversários ou que estão defendidas pelas peças parceiras. Não se deve fazer jogadas aleatórias, cada lance requer posicionamento bem pensado, e mesmo quando só nos resta lançar a peça para uma posição indesejável, essa ação pode servir de tática para próximas conquistas no tabuleiro.
Pode haver surpresas no final da partida. A contagem dá dois pontos ao arqueiro que estiver na posição do adversário e um ponto em qualquer lugar em que o arqueiro esteja no tabuleiro, mas quando não é possível vencer o jogo pode-se ao menos conseguir um empate com a igualdade de pontos alcançados. (Ver regras completas do jogo Jarmo na seção: Ludoarqueologia).
Em Jarmo fica evidente como uma única jogada pode mudar completamente a configuração da partida, uma vez que a peça pode bloquear ou originar novo fluxo de ação. Nesse contexto percebemos que, de forma elementar, o conceito computacional de “input” e “output” adquire visibilidade literal diante de nossos olhos, afetando as tomadas de decisões.
A visão empreendedora de 7Wonders
Administrar uma das sete maravilhas do mundo antigo durante três dinastias consecutivas, conseguindo matéria prima, construindo monumentos e compondo guildas (associações), além de se preparar para defesa ou ataque em confrontos é uma tarefa que parece, inicialmente, bastante complexa. Porém, na medida em que cada jogador vai conseguindo compor seu potencial de comercialização e construção, percebe que há muitas estratégias para serem adotadas, a partir de uma visão de fluxo de ação e conjunto de recursos, simultaneamente.
Cada jogador recebe a cartela referente a uma das sete maravilhas do mundo (Grande Pirâmide de Gizé, os Jardins Suspensos da Babilônia, a Estátua de Zeus, o Templo de Ártemis, o Mausoléu de Halicarnasso, o Colosso de Rhodes, o Farol de Alexandria) e no decorrer da partida vai comprando cartas que permitem uma administração crescente e próspera de seu empreendimento. Na primeira dinastia é preciso comprar e compor seu ambiente com matérias primas como tijolos, madeira, vidro, minério, bem como recursos manufaturados, que formarão os componentes de progresso da sua maravilha antiga; cada elemento tem valores correspondentes e é preciso administrar o capital a ser investido de maneira apropriadamente produtiva. Na segunda dinastia, com posse desse estoque de material é preciso construir monumentos importantes, como bibliotecas, templos etc., mantendo um comércio bem administrado. E na terceira dinastia vem a composição das guildas, formando associações que vão dar vida mercadológica sustentável a sua maravilha antiga.
Com relação aos confrontos, eles ocorrem no final de cada rodada: um administrador pode escolher um ataque a fazer com seu exército a outra administração para ganhar mais riquezas, depois de ter investido na composição do seu exército. Porém, esse ataque não é obrigatório e qualquer administrador pode simplesmente se preparar para enfrentar o ataque, conseguindo diminuir suas perdas ou pode sair ganhando com a investida inconsequente do adversário.
7Wonders: a essência do empreendedorismo com suas situações de risco e prosperidade.
Esses tipos de jogos são chamados abstratos, justamente porque não dependem de sorte lançada por dados ou comandos previamente determinados que colocam o jogador na situação de dependência do acaso. Existem os momentos de sorte, quando da retirada de cartas aleatórias entre as disponíveis, mas não são situações determinantes de vitória ou derrota, pois passam a compor ou integrar as estratégias de cada jogador: uma ocorrência adversa pode ser corrigida mais adiante com decisões acertadas. (Ver mais detalhes das estratégias e regras de 7Wonders na seção: Ludoestratégias).
As matrizes da gestão e do pensamento estratégico
Em todos os momentos de nossas vidas assumimos atitudes e tomamos decisões a partir da percepção da realidade que nos rodeia. O modo como visualizamos e compreendemos as estruturas sociais e culturais nas quais estamos inseridos, individual e coletivamente, a maneira como visualizamos as tramas dos relacionamentos e das interações sociais, definem nossas atitudes e nossas ações, que vão ter implicações a curto, médio ou longo prazo. As reações dos outros, as respostas da vida cotidiana nos afetam direta e indiretamente. Desse modo, lidamos com erros e acertos, com alegrias e decepções, cujo feedback nos permite repensar nossa forma de agir, fazer ajustes e correções.
Todo esse processo também vivenciamos nos jogos, simulando a realidade, percebendo as analogias e experimentando suas metáforas. Para a mente, são situações reais que mexem com os nervos, e por isso nos envolvem emocionalmente; somos afetados e provocados em nossos sentimentos, como se fossem momentos de verdadeira tensão e conflito.
Claro que estamos conscientes de que se trata de uma simulação e por isso prevalece o estado de espírito de entretenimento e diversão. Nos enchemos de prazer pela interação social que nos torna espécie humana: o outro se faz de adversário para que possamos treinar e exercitar nossas habilidades cognitivas; podemos fazer experimentações com risco e ousadia, sabendo que vamos tirar lições para nossa aprendizagem; não importa se podemos perder agora, ganharemos depois, na próxima partida ou na realidade lá fora, porque é assim que aprendemos como pensar melhor, como montar uma boa estratégia, como superar adversidades.
As narrativas são próprias da natureza da mente, compõem os mitos desde os tempos remotos, são a base dos enredos que contam histórias, tanto na cultura oral do passado, quanto nos gêneros midiáticos da atualidade; as narrativas são a linguagem do inconsciente humano e tomam vida própria até quando dormimos, em nossos sonhos. Por isso, os jogos de tabuleiro vêm ganhando força e espaço na sociedade de hoje, mas também porque colocam-nos de volta ao relacionamento presencial, face a face, como no tempo das tribos, em que a comunhão de experiências era essencial à existência e ao desenvolvimento humano.
O pensamento estratégico é, por fim, uma capacidade importante para enfrentamento das crises e dos impasses crescentes da globalização. Permite que busquemos a inovação e a criatividade tão presentes na natureza, a partir de uma condição humana que nos é intrínseca: antecipar o futuro com a simulação de problemas para criar as respostas possíveis: no jogo damos um passo de cada vez, conferimos e corrigimos os erros e no fim refletimos sobre como podemos fazer melhor na próxima oportunidade.
Imagens: Divulgação/internet