Postado em: 6 de setembro, 2020.
Resenha do livro: Eurogames: the design, culture and play of modern european
Em 2012, quando o livro Eurogames, de Stewart Woods foi publicado, esses jogos já haviam alcançado uma consolidação mundial – tanto no mercado de jogos de tabuleiro, como também no coração dos jogadores desse universo de “hobby games”. A façanha da obra, Eurogames: the design, culture and play of modern european board games é grandiosa diante da complexidade e diversidade dos jogos no decorrer de sua existência aos dias atuais. Porém, não se trata de um relato histórico propriamente, mas, a partir de uma tentativa de classificação dos jogos de tabuleiro e de mesa, nos diferentes contextos social, cultura e mercadológico, compreender aspectos intrínsecos de suas práticas junto aos jogadores.
Ao mesmo tempo em que comenta sobre a incompletude das tentativas dos reconhecidos historiadores de jogos de tabuleiro em realizarem suas classificações, Woods observa que o contexto histórico, cultural e econômico precisa ser levado em conta em qualquer categorização. Na sua concepção, uma abordagem realmente funcional apresenta um esquema simples em que se distingue os três tipos principais de jogos de tabuleiros: o jogo tradicional ou clássico, o jogo voltado para o mercado de massa e o jogo de passatempo, os “hobby games”, em sua denominação pessoal.
Os jogos tradicionais ou clássicos abrangem aqueles sem denominação de autoria, que vieram sendo repassados desde a antiguidade, configurando-se de inúmeras mudanças interativas pelos povos que o praticavam ao longo dos séculos. Jogos como Senet, Real de Ur, Mancala, Alquerque, Damas, Xadrez entre tantos outros estariam nessa categoria, mas que não fazem parte do foco do livro.
Por sua vez, os jogos do mercado de massa são compostos pelos títulos comerciais, que são produzidos e vendidos em grande quantidade no decorrer de décadas, desde o século 19 ao século 20, identificados como jogos de tabuleiro comerciais, delineados em três tipos distintos. No primeiro grupo estão os mais bem sucedidos, como Monopoly, Scrabble, Clue, por exemplo, que recebem periodicamente novas edições. O segundo grupo corresponde aos “party games”, os jogos de salão da era Vitoriana, como: Trivial Pursuit, Pictionary entre outros afins. Fazem parte do terceiro grupo dos jogos de mercado de massa aquele que surgiram no bojo do crescimento da televisão nos lares americanos. São jogos que utilizavam os nomes dos programas que representavam, aproveitando suas grandes audiências, como por exemplo: Dexter: the board game, Glee board game, Dancing with the Star baord games entre outros.
Dentre os chamados jogos de passatempo estão todos aqueles que são direcionados também ao mercado de massa em geral, porém, como um grupo mais específico de sua classificação, que emergiram nos últimos 40 anos. Nessa categoria podem ser encontrados quatro gêneros principais: jogos de guerra, jogos de RPG, jogos de cartas colecionáveis e eurogames.
Nesse momento cabe o esclarecimento de Woods, sobre o fato de que muitos jogadores de jogos tradicionais, como xadrez, ou jogos proprietários de mercado de massa, como Scrabble poderiam denominá-los como hobby, mas não no sentido em que o autor utiliza o termo. Para o Woody, os jogos de passatempo constituem uma subseção do mercado em sua abrangência e que “tende a atrair aqueles com um interesse específico em uma forma particular de jogo comercial” Nesse contexto temos o pioneiro jogo, Colonizadores de Catan, bem como, Puerto Rico entre muitos outros.
O percurso do livro Eurogames segue-se, a partir de um prefácio em que o autor referencia sua relação com os jogos e o contexto da sua pesquisa, chegando à introdução, cujo teor trata de revisar o universo dos jogos de tabuleiro, dando alguma atenção às obras de historiadores, e procurando designar a abrangência de seus esforços em fazer uma classificação satisfatória; além de explicitar a sua proposta de categorização.
Os capítulos seguintes envolvem, uma breve introdução aos jogos de passatempo em geral; os jogos de tabuleiro de passatempo anglo-americano, no período de 1960 a 1995; o histórico dos jogos na Alemanha; sua visão dos jogos de estilo alemão até chegar nos emergentes eurogames, desenhando, em seguida um capítulo para o gênero eurogames. Continua sua abordagem adentrando o universo dos jogadores de jogos de passatempo e avança sobre o prazer de jogar desses participantes, tratando, inclusive das metas e resultados no jogo socializado.
O último capítulo, chamado de “Um ato à parte”, o autor faz uma breve revisão da parte anterior e apresenta relatos pessoais de pesquisa feito junto a jogadores de hobby games. A revisão consiste em demonstrar que os jogadores negociam dois imperativos diferentes, tais como a competitividade estrutural do jogo e a sociabilidade, fonte de verdadeira diversão. Nesse contexto, Woods conclui que a maioria dos jogadores não considera a vitória como um elemento significativo de diversão, havendo grande interesse na manutenção da coesão social do encontro, que se estabelece com o “jogo limpo”. Em suas próprias palavras:
“Os jogos são um dos poucos exemplos de uma atividade cultural em que os objetivos são inteiramente arbitrários. Na verdade, é precisamente esse aspecto autotélico do jogo que leva muitos a rejeitar os jogos como uma atividade trivial e, em última análise, sem valor. Em contraste, nosso dia a dia é preenchido com a busca de metas que têm consequências tangíveis no mundo real. Compreensivelmente, estamos apegados aos resultados dessas atividades e sentimos prazer quando os alcançamos. Nos jogos, entretanto, enquanto o apego emocional aos resultados preferidos pode aumentar o prazer, ele também pode servir para diminuir a singularidade da atividade lúdica como um ritual realizado exclusivamente para seu próprio propósito. O elemento lúdico do jogo pode ser prejudicado pelas preocupações emocionais dos jogadores”.
Nesse sentido final da fala de Stewart Woods, referindo-se à pesquisa junto a inúmeros desses jogadores, em que foram solicitados a falar sobre os diversos tipos de comportamento decorrentes das partidas, percebeu-se uma forte tendência de reprovação às trapaças, mas também uma preocupação com aqueles que apresentam comportamentos agressivos ou infelizes por perderem no jogo. Porém, o relato de um jogador resume bem o posicionamento de muitos: “Indo para um jogo, eu suspendo as regras éticas tradicionais e deixo claro para os outros que eu não considero as situações do jogo como de natureza verdadeiramente moral”. Porém, essa é apenas uma amostra dos muitos relatos sobre sentimentos e posturas diversas que os jogadores adotam nesse universo dos jogos de tabuleiro de passatempo.
Por fim, podemos perceber que o livro tem uma importância evidente e oportuna no contexto dos eurogames, por arriscar em ir bem mais além do que foram diversos pesquisadores da área, procurando compreender um pouco do espírito de imersão nas partidas presenciais. Fica claro como veio se consolidando essa atividade social dos jogos de tabuleiro moderno que, embora movimentem um enorme mercado comercial no mundo inteiro, nesse século 21, fazem parte de um imaginário crescente que se sobressai em cada um dos grupos de jogadores, quando se reúnem na intimidade de suas interações pessoais, para vivenciar particularidades essenciais da cultura humana: jogar e se divertir. (Marcos Nicolau)