Postado em: 2 de janeiro, 2020.
Professora de Escola Pública transforma brincadeira antiga de cartas em jogo educativo com heróis negros brasileiros, para alunos aprenderem sobre cultura afro, se divertindo. Perla Santos, educadora da rede municipal de Porto Alegre teve a ideia de promover a consciência de igualdade com personagens negros nacionais, depois de perceber que esse jogo trazia apenas heróis e heroínas fictícios dos quadrinhos estrangeiros. A iniciativa extrapolou o jogo, permitiu a criação de um movimento, a partir do qual a professora foi premiada.
A matéria de Ariane Silva publicada no blog Mulherias, que integra a rede de comunicação Uol, revela que a professora Perla, de uma escola da periferia de Restinga/RS, utilizou-se da antiga brincadeira de Bafo ou Jogo do Bafo, para recompor a história dos negros no Brasil. O Bafo é um jogo no qual os jogadores disputam as cartas, batendo com a palma da mão sobre elas na intenção de virá-las, para marcar pontos.
Professora Perla mostra as cartas do Jogo do Bafo com heróis negros
De acordo com a notícia do referido Blog, a professora Perla notou que os alunos dos 1º e 2º anos da EMEF Mario Quintana, reuniam-se constantemente nos intervalos, para brincarem de bater cartinhas, nesse jogo, popularmente chamado de Bafo. Porém, os personagens eram os mesmos presentes no universo de games e desenhos, com habilidades que passam longe das possibilidades humanas. “São figuras muito distantes da realidade deles. Eles não precisam abandonar suas cartas, o importante é a partir desse jogo feito por eles, que conheçam e se identifiquem com a história negra, que é ainda muito ausente nos bancos escolares”, explica a professora Perla.
Uma observação importante é que os alunos também participaram da criação do novo jogo. Conforme a matéria, os estudantes foram responsáveis por ensinar as regras e já possuíam a habilidade de “bater cartinhas”; a educadora contribuiu na escolha dos personagens e escrevendo a minibiografia que estaria presente em cada carta. Todos se reuniram para recortar e pintar as novas peças do baralho, segundo a professora, que complementa: “Foi o momento em que pude explicar pra eles sobre as personalidades brasileiras presentes ali. E eles me ensinaram tudo sobre a brincadeira. A troca é essencial porque inverte a lógica de que só o professor detém conhecimento”.
Detalhe de uma carta e confecção do jogo por aluno
Autoestima de super-herói
O relato de Ariane Silva traz um apanhado sobre as questões que envolvem o ensino de história e cultura Afro-brasileira e indígena e destacado pela professora: desde 2003, é estabelecido por lei nas diretrizes e bases da educação nacional que livros didáticos e atividades em sala de aula abordam a História e Cultura Afro-brasileira e indígena. “A obrigatoriedade existe nas formas das leis 10.639 de 2003 e 11.645 de 2008, mas as escolas ainda estão longe de incorporar essas narrativas no dia a dia dos estudantes”, diz a professora Perla, ressaltando, ainda, que isso impacta diretamente na maneira como as crianças, a família e toda a comunidade escolar lidam com a questão racial.
A educadora revela que, assim que chegou à Restinga percebeu o quanto o racismo estava presente dentro da escola. “Me lembro que precisei ajudar a tirar uma aluna da sala de aula porque ela estava muito nervosa, gritando e, enquanto conversávamos, ela me disse que há dois anos, todos os dias, um aluno debochava da sua cor de pele e cabelo, e que ela havia perdido a paciência naquele dia. Lembro de ela me olhar e concluir: ‘depois de tudo isso, quem foi expulsa da sala? Eu!'”, relata.
Iniciativas como a de Perla e de outros professores ajudam a romper com o silêncio em torno do racismo. “Eu sou de uma geração que enfrentava calada, eu não tinha coragem de falar nem para os professores nem para minha família. Sei o quanto isso foi perverso e me prejudicou. E o quanto eu tive que lutar pra me tornar uma mulher negra consciente da minha raça”, desabafa.
E o trabalho da educadora por igualdade vai além do jogo das cartinhas. Perla e um grupo de mães criaram juntas o Movimento Meninas Crespas, do qual ela é coordenadora, e que também rendeu o título de uma das cinco mulheres que fazem a diferença no Brasil, premiação do grupo O Boticário. Hoje, o Meninas Crespas da Restinga existe para além dos muros escolares e trabalha em prol da valorização da cultura, estética e história negra. “Estamos construindo uma biblioteca comunitária afro centrada para a comunidade, nosso acervo já tem cerca de 100 livros. Além disso, damos aula de dança, poesia e Iorubá, idioma nigero-congolês”.
Como funciona o jogo
A jogabilidade usa exatamente a mecânica do Bafo tradicional: as partidas são em dupla, duas cartas devem ficar viradas para baixo sobre a mesa, e um jogador por vez deve espalmar a mão sobre a cartinha. Quem conseguir virar primeiro, pontua. No final, quem tiver mais cartas viradas, ganha. Há um diferencial na pontuação das cartas: quem garantir mais figuras femininas, pontua mais. Isso porque a valorização da mulher também é regra no jogo dos heróis e heroínas negros. “Expliquei pra eles que nós, mulheres pretas, sempre fomos negadas, esquecidas, por isso era justo darmos um valor maior para as personagens femininas e acrescentar mais pontos às cartinhas que tem elas”, disse a professora.
Imagens retiradas do Blog Mulherias
Leia a matéria completa no endereço abaixo:
https://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2019/12/20/professora-de-escola-publica-cria-jogo-de-cartas-com-herois-negros/